Da carne ao corpo,
Do corpo ao texto:
Literatura é fome
De alma do avesso
Literatura que faz da carne o corpo. Que faz da letra o osso.
Qual a cor da tua carne,
o cheiro do teu território,
me deixa fincar bandeira
na tua imaginação?
Palavra que cobre de músculo o sentimento.
Literatura para engolir aos poucos, comer com cuidado, precaução para não vomitar demais.
Linguagem que é nudez maior do que a pele.
Pele arranca–se, Desejo, não.
Essa gente, essa gente achando que boceta aberta é risco,
Ave,
Não sabe que risco maior é de caneta.
Escrever com a boceta aberta,
Ler com o peito rasgado,
E costurar com a linguagem as marcas dos nossos corpos.
Eis o que desejo da arte: risco.
Da carne ao corpo,
Do corpo ao texto:
Literatura é fome
De alma do avesso.
[ abrir espaço
em si ]
Sou o tempo com rosto de mulher, seios, umbigo e vulva. Tenho até cu de mulher e, ainda assim, sou o tempo, calma e dor, levando em mim o fogo do que foi meu: aquele que aceita, abrigo. Se perdeu, morre comigo.
Literatura que faz da carne o corpo. Que faz da letra o osso.
Palavra que cobre de músculo o sentimento.
Carne de Afrodite
Olho de poeta
Coração de pequi
Boca de café
E, no colo, e no colo
E no colo um porto.
Pensando bem,
palavra que é carne,
texto que é osso,
frase que é raiz.
Literatura que é
gosto,
que arde os lábios,
os grandes,
enormes,
de todas
as cores.
Qual a cor da tua carne,
o cheiro do teu território,
me deixa fincar bandeira
na tua imaginação?